Pages

domingo, 22 de agosto de 2010

No viver é que se vive


Na poeira da estrada está a certeza do movimento.
Às vezes a vida passa como um borrão visto da janela de um carro.
Dias de inércia intelectual, amorosa, espiritual e física.
Mas caminha.
Alheio ao que se passa ainda caminha.
E não volta.
O futuro é ali, logo aqui na próxima esquina.
Faz-se uma curva; capota-se o carro.
Perde parte do que é, ou de alguém que ama.
Há o luto, escorre uma lágrima solitária.
Trafega no rosto ainda liso de juventude para morrer na mão que apoia.
Mas não há tristeza.
Há até uma pontada de felicidade, porque muda.
O que foi fica na lembrança e dá lugar ao novo.
Corpo e mente como nascente que refresca e renova.
E o tempo passa, o tempo é passarinho.
Livre, frágil e efêmero.
Na beleza de um momento estão reflexos da natureza do que se é.
Amigo, amante, íntimo.
Sonhador, idealista, de outro mundo.
Partes de um todo numa pintura sem moldura.
Estende-se a um infinito próprio, dentro de si.
Vê-se Deus na perfeição de cada pincelada.
Sem ver o quadro, sem conhecer o artista.
No mistério de viver, caminhar na estrada ou pintar o quadro, pensar sempre no próximo passo.
Viver é pular num abismo sem fim para se descobrir onde vai dar.
O belo e o exótico de mãos dadas, risada sarcástica da ironia.
Juntos ali, esperando dar as respostas às perguntas certas.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O Bailarino da Lua

Lua. Uma Lua maravilhosa. Cheia, gorda, avermelhada, a noite clara como o dia, o luar inundando a terra e trazendo alegria, alegria, alegria. Trazendo também o rugir da noite tropical, a voz macia e turbulenta do vento uivando nos pêlos do braço, o lamento vazio da luz das estrelas, o grito trincado da luz da lua sobre a água.
Tudo isso chamando o Necessitado. Ah, o berro sinfônico das milhares de vozes ocultas, o grito interior do Necessitado, a entidade, o observador silencioso, a coisa fria e quieta, aquele que dança, o Bailarino da Lua. O eu que não era eu, aquele que zombava, ria e vinha com a sua fome. Com a Necessidade.

[ capítulo 1, Dexter - a mão esquerda de Deus ]